quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

E o mundo não se acabou

Depois do dia 21 de dezembro de 2012 continuamos aqui!

Será mesmo que o nosso mundo não está acabando?


Fim do mundo - Carlos Drummond de Andrade

                               Não se sabe ainda se o mundo acabou realmente no sábado, como fora anunciado. Pode ser que sim, e não seria a primeira vez que isso acontece. A falta de sinais estrondosos e visíveis não é prova bastante da continuação. Muitas vezes o mundo acaba em silêncio, ou fazendo um barulho leve de folha. Tempos depois é que se percebe, mas já então vivemos em outro mundo com sua estrutura e seus regulamentos próprios, e ninguém leva lenço aos olhos pelo falecido.
                O mundo primitivo dos répteis, o mundo neolítico, o egípcio, o persa, o grego, o romano, o maia... todos esses acabaram, e muitos outros ainda. A história é cemitério de mundos, notando-se que uns tantos acabaram de morte tão acabada que nem sequer figuram lá com uma tabuleta; não se sabe que fim levaram as cinzas.
                 Pessoas que aí estão vivas assistiram à morte do mundo em 1.º de agosto de 1914, mas estavam lendo jornal e não compreenderam no momento. Era apenas mais uma guerra na Europa, mas acabou com a belle époque, a douceur de vivre, a respeitabilidade vitoriana, o franco, a supremacia da libra, os suspensórios, o rapé, os conceitos econômicos, políticos e éticos do século XIX – mundo que parecia eterno. Pedaços dele andam por aí, vagando, como o colonialismo, a pressão de grupos financeiros, a servidão civil da mulher, mas pertencem a um contexto liquidado, rabo de lagartixa vibrando depois que o corpo foi abatido. 
                 É possível que a previsão dos astrólogos indianos não tivesse base, e que o mundo atual dure muitos anos. Acredito mesmo que é cedo para ele morrer, se apenas está nascendo, e nem sabe ao certo como é ou será.
                Aos sete anos de idade imaginei que ia presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa mal-humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a Terra; não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não haveria mais geléia, Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Idéias que aborreciam. Havia ainda a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o menino, era o mundo) se despedaçando – mas isso, afinal, seria um espetáculo. Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade.
O que aconteceu à noite foi maravilhoso. O cometa de Halley apareceu mais nítido, mais denso de luz e airosamente deslizou sobre nossas cabeças sem dar confiança de exterminar-nos. No ar frio, o véu dourado baixou ao vale, tornando irreal o contorno dos sobrados, da igreja, das montanhas. Saíamos para a rua banhados de ouro, magníficos e esquecidos da morte, que não houve. Nunca mais houve cometa igual, assim terrível, desdenhoso e belo. O rabo dele media... Como posso referir em escala métrica as proporções de uma escultura de luz, esguia e estelar, que fosforeja sobre a infância inteira? No dia seguinte, todos se cumprimentavam satisfeitos, a passagem do cometa fizera a vida mais bonita. Havíamos armazenado uma lembrança para gerações vindouras que não teriam a felicidade de conhecer o Halley, pois ele se dá ao luxo de aparecer só uma vez a cada 76 anos. 
 Nem todas as concepções de fim material do mundo terão a magnificência desta que liga a desintegração da Terra ao choque com a cabeleira luminosa de um astro. Concepção antiquada, concordo. Admitia a liquidação do nosso planeta como uma tragédia cósmica que o homem não tinha poder de evitar. Hoje, o excitante é imaginar a possibilidade dessa destruição por obra e graça do homem. A Terra e os cometas devem ter medo de nós. 

domingo, 19 de agosto de 2012

Mau ou Mal? Más, Mas ou Mais?

MAU MAL

MAU - adjetivo - contrário de BOM.
Possui feminino MÁ
mau comportamento, mau caráter.
Ex. O menino teve um mau comportamento na escola.


MAL – advérbio ou substantivo - contrário de BEM 
mal-educado, mal orientado
Ex. É um menino mal-educado.

Atenção: Esta palavra também pode ser usada como conjunção temporal: Eu mal comecei a limpar a casa e tive que sair. (nem bem)


MÁS, MAS OU MAIS ?


MÁS: feminino plural de bom. (adjetivo)

Ex:Aquelas meninas são muito más (ruins)

MAS: conjunção adversativa: indica oposição, ressalva. Sinônimo de "porém"
Ia sair, mas começou a chover
Quero estudar, mas não tenho tempo.

MAIS: advérbio que indica adição ou intensidade. Contrário de "menos"

Ex: Você deve estudar mais.
Quero começar a levantar mais cedo.

PS: as palavras "mas" e "mais" possuem a mesma pronúncia em muitas regiões do Brasil.


Caracteres Word


Como usar certos acentos no Windows
Presisonar a tecla ALT e o número ao mesmo tempo

ALT + 131 = â
ALT + 133 = à
ALT + 135 = ç
ALT + 136 = ê
ALT + 137 = ë
ALT + 128 = Ç
ALT + 147 = ô
ALT + 148 = ö
ALT + 182 = Â
ALT + 183 = À
ALT + 198 = ã
ALT + 199 = Ã
ALT + 210 = Ê
ALT + 226 = Ô
ALT + 228 = õ
ALT + 229 = Õ

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Vida é Pontuação


Moacyr Scliar

Ai ,Gramática, Ai, Vida

(...)
Ora, dirão os professores, vida é gramática. De acordo. Vou até mais longe: vida é pontuação. A vida de uma pessoa é balizada por sinais ortográficos,. Podemos acompanhar a vida de uma criatura, do nascimento ao túmulo, marcando as diferentes etapas por sinais de pontuação.
Querem ver? Olhem a biografia.


INFÂNCIA: UMA PERMANENTE EXCLAMAÇÃO

Nasceu! É um menino! Que grande! E como chora! Claro, quem não chora não mama! Me dá! É meu!
Ovo! Uva! Ivo viu o ovo! Ivo viu a uva! O ovo viu a uva!
(...)

A PUBERDADE; A TRAVESSIA (OU O TRAVESSÃO)

(...)
_ O que eu acho, Jorge _ não sei se tu também achas _ o que eu acho _porque a gente sempre acha muitas coisas _ o que eu acho _ não sei _ tu és irmão dela _ mas o que estive pensando _ pode ser bobagem _ mas será que não é de a gente falar _ não, de eu falar com a Alice _
_ Alice tu sabes _ tu me conheces _ a gente se dá _ a gente conversa _ tudo isto Alice _ tanto tempo _ eu queria te dizer Alice _ é difícil _ a gente _ eu não sei falar direito.


JUVENTUDE – A INTERROGAÇÃO

Mas quem é que eu sou afinal? E o que é que eu quero? E o que é que vai ser de mim? E Deus, existe? E Deus cuida da gente? E o anjo da guarda, existe? E o diabo? E por que é que a gente se sente tão mal?
(...)
mas por que é que tem pobres e ricos? Por que é que uns têm tudo e outros não têm nada? Por que é que uns têm auto e outros andam a pé? Por que é que uns vão viajar e outros ficam trabalhando?


AS PAUSAS RECEOSAS
(RECEOSAS, VÍRGULA, CAUTELOSAS) DO JOVEM ADULTO

Estamos, meus colegas, todos nós, hoje, aqui, nesta festa de formatura, nesta festa, que, meus colegas, é não só nossa, colegas, mas também, colegas, de nossos pais, de nossos irmãos, de nossas noivas, enfim. De todos quantos, nas jornadas, penosas, embora, mas confiantes sempre, nos acompanharam, estamos, colegas, cônscios de nosso dever, para com a família, para com a comunidade, para com esta Faculdade, tão jovem, tão batalhadora, mas ao mesmo tempo tão, colegas, tão.
(...)


O HOMEM MADURO. NO PONTO

Uma cambada de ladrões. Tem de matar. Matar.
Pena de morte.
O Jorge também. Cunhado também. Tem de matar. Esquadrão da morte. E ponto final.
No meu filho mando eu. E filho meu estuda o que eu quero. Sai com quem eu quero. Lê o que eu quero. Freqüenta os clubes que eu mando.
Tu ouviste bem, Alice. Não quero discutir mais este assunto. E ponto final.
(...)


(UM PARÊNTESE)

(Está bem, Luana, eu pago, só não faz escândalo) ]


O FINAL ... RETICENTE ...

Sim, o tempo passou... E eu estou feliz... Foi uma vida bem vivida, esta...
Aprendi tanta coisa...
Mas das coisas que aprendi... A que mais me dá alegria... É que hoje eu sei tudo... Sobre pontuação.

(Moacyr Scliar. Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar e outras crônicas. Porto Alegre. 1995. p.88-91)

Acentuação - Palavras que mudam sílaba tônica do português para o espanhol


PORTUGUÊS
ESPANHOL
Academia
Academia
Álcool
Alcohol
Alergia
Alergia
Alguém
Alguien
Atmosfera
Atmósfera
Burocracia
Burocracia
rebro
Cerebro
Coquetel
Cóctel
Cratera
Cráter
Diplomacia
Diplomacia
Elite
Élite
Elogio
Elogio
Epidemia
Epidemia
Euforia
Euforia
Fobia
Fobia
Gaúcho
Gaucho
Hemorragia
Hemorragia
Herói
roe
Í
Imán
Imbecil
Imcil
Limite
mite
Magia
Magia
Metrô
Metro
ope
Miope
vel
Nivel
Nostalgia
Nostalgia
Ortopedia
Ortopedia
Oxinio
Ogeno
Pântano
Pantano
Paralisia
Palisis
Parasita
Pasito
Pocia
Polia
Protipo
Prototipo
Psicopata
Psipata
Periferia
Periferia
Rubrica
brica
Sarampo
Sarampión
Siderurgia
Siderurgia
Sintoma
Síntoma
Telefone
Tefono
Telex
lex
Tulipa
Tulipán

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Diminutivos - Luis Fernando Verissimo


O Brasileiro e a sua eterna mania de diminutivos

Diminutivos - Luis Fernando Verissimo 

Sempre pensei que ninguém batia o brasileiro no uso do diminutivo, essa nossa mania de reduzir tudo à mínima dimensão, seja um cafezinho, um cineminha ou uma vidinha. Só o que varia é a inflexão da voz. Se alguém diz, por exemplo, "Ô vidinha", você sabe que ele está se referindo a uma vida com todas as mordomias. Nem é uma vida, é um comercial de cigarro com longa metragem. Um vidão. Mas se disser "Ah vidinha..." o coitado está se queixando dela, e com toda a razão. Há anos que o seu único divertimento é tirar sapatos e fazer xixi. Mas nos dois casos o diminutivo é usado com o mesmo carinho. 
 [...] 
O diminutivo é uma maneira ao mesmo tempo afetuosa e precavida de usar a linguagem. Afetuosa porque geralmente o usamos para designar o que é agradável, aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. E precavida porque também o usamos para desarmar certas palavras que, na sua forma original, são ameaçadoras demais. 
"Operação", por exemplo. É uma palavra assustadora. Pior do que "intervenção cirúrgica", porque promete uma intervenção muito mais radical nos intestinos. Uma operação certamente durará horas e os resultados são incertos. Suas chances de sobreviver a uma operação... sei não. Melhor se preparar para o pior. 
Já uma operaçãozinha é uma mera formalidade. Anestesia local e duas aspirinas depois. Uma coisa tão banal que quase dispensa a presença do paciente. 
 [...] 
 No Brasil, usa-se o diminutivo principalmente em relação à comida. Nada nos desperta sentimentos tão carinhosos quanto uma boa comidinha. 
- Mais um feijãozinho? 
O feijãozinho passou dois dias borbulhando num daqueles caldeirões de antropófagos com capacidade para três missionários. Leva porcos inteiros, todos os miúdos e temperos conhecidos e, parece, um missionário. Mas a dona de casa o trata como um mingau de todos os dias. 
 - Mais um feijãozinho? 
 - Um pouquinho. 
 - E uma farofinha? 
 - Ao lado do arrozinho? 
 - Isso. 
 - E quem sabe mais uma cervejinha? 
 - Obrigadinho. 
 O diminutivo é também uma forma de disfarçar o nosso entusiasmo pelas grandes porções. E tem um efeito psicológico inegável. Você pode passar horas tomando "cervejinha" em cima de "cervejinha" sem nenhum dos efeitos que sofreria depois de apenas duas cervejas. 
- E agora, um docinho. 
 E surge um tacho de ambrosia que é um porta-aviões.

Palavras Errantes - Ivan Ângelo


Palavras errantes - Ivan Ângelo 

Saudemos o dia da língua, que era chamada na escola antiga de Língua Pátria, e que Caetano Veloso em dia inspirado chamou de “latim em pó”. Ah, língua de curiosidades e preciosidades, que os dicionários ainda não dão conta de abraçar! Quem trabalha com ela fica sensível a certos usos; mais, talvez, do que quem vai simples e inescapavelmente usando. Não me refiro a dificuldades, aquelas que provocam excitação vernácula nos gramáticos. Falo de curiosidades.
Por exemplo, o diminutivo que aumenta. O significado de certos adjetivos aumenta quando se usa o diminutivo. O diminutivo dá-lhes um sentido de cabal, de muito mais, de completamente.
Morta, por exemplo. Quer enfatizar, acentuar o sentido, tornar inquestionavelmente morta, sem dúvida nenhuma morta? Acrescente o diminutivo: “Morta, mortinha”. Tem gente que ainda põe sobrenome: “Mortinha da Silva”. Uma fruta é muito mais madura se está madurinha. A indicação de uma casa na esquina é bem mais precisa quando se diz “na esquininha”, não 100 metros para lá ou para cá. Muito duro? “Durinho!” “Surdo, ele? Surdinho! Surdinho da Silva!” “Fresca? Fresquinha!” Mais do que bêbado: “Bebadozinho, bebinho!”.
O curioso é que o mesmo diminutivo às vezes ameniza em vez de aumentar a força de um adjetivo cruel, buscando tom carinhoso: velhinho, feiosinho, pobrezinha, barrigudinho, chatinha. “Não é chaaaaaaata, é chatinha.” A intrigante vira intrigantezinha, o feio vira feinho, a burra vira burrinha.
O mesmo diminutivo, quando aplicado em adjetivos elogiosos, torna seu sentido quase o contrário, ou faz uma caricatura. É o caso de moderno: “Fulana é muito moderninha pro meu gosto”. “É um pintor, assim, moderninho, sabe?” “É, ela é bonitinha.” 
Há coisas que existem e não têm um nome para designá-las, ou tal palavra não encontrou abrigo em dicionário: a condição de avô é uma delas, e essa inexistência foi objeto de especulações do escritor Humberto Werneck. Condição de mãe é maternidade, de pai é paternidade, de irmãos é fraternidade — e de avô, avó? 
A parte de cima e a de baixo do biquíni deveriam ter seu próprio nome, e a falta dele causou estranheza ao escritor angolano José Eduardo Agualusa, num livro que bateia palavras, “Milagrário Pessoal”.
Não encontro “entrão” nos dicionários. Há publicações que não aceitam palavras desmerecidas pelo dicionário. Como designar o sujeito que todos chamamos de entrão? Ousado? É pouca coisa quando se fala de um entrão.
Nas calçadas da rua, sabem aquela areazinha protegida por murinho ou gradeado, onde se planta uma única árvore? É ajardinado? Jardim? Não é. É latada? Cova? Canteiro? Não. Nem o dicionário de jardinagem ajuda; aquilo, tão comum, parece não ter nome.
Outro dia quis descrever um pica-pau caminhando no galho vertical de uma árvore, teso, leve, em pé. Quis mais: quis usar o diminutivo que aumenta o sentido, significando bem em pé, estranhamente em pé, como se um prego se equilibrasse na parede sem ser fincado. “Em pezinho” ficou esquisito, parecia que ele estava em pés pequenos. Ora. Para enfatizar “cabelos em pé”, se escrevermos “empezinhos” ou “em-pezinhos”, a palavra já vai aparecer sublinhada de vermelho na tela do computador, indicando erro; se escrevermos “cabelos em pezinhos” vai parecer outra coisa, algo como pelos em pés pequenos.
Quer ver uma coisa? Mal-amado não tinha verbete, só mal-amada. Como se só mulher fosse mal de amores, homem não. Depois que alguns escritores reclamaram, apareceu o mal-amado.
Palavras errantes estão na boca do povo há muitos séculos. Clássicos de 1.500 as usavam. A grafia despois era uma forma comum de “depois”; desque era usada como “desde que”, “assim que”; afogada já era usada lá como refogada; frol aparece muito no lugar de flor, e talvez venha daí a nossa pronúncia caipira de “frô”; antão, no lugar de então; crara, por clara.
Citando de novo Caetano: gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões.

Retirado so site: www.veja.com.br