Moacyr Scliar
Ai ,Gramática,
Ai, Vida
(...)
Ora, dirão os professores, vida é gramática. De
acordo. Vou até mais longe: vida é pontuação. A vida de uma pessoa é balizada
por sinais ortográficos,. Podemos acompanhar a vida de uma criatura, do
nascimento ao túmulo, marcando as diferentes etapas por sinais de pontuação.
Querem ver? Olhem a biografia.
INFÂNCIA: UMA
PERMANENTE EXCLAMAÇÃO
Nasceu! É um menino! Que grande! E como chora!
Claro, quem não chora não mama! Me dá! É meu!
Ovo! Uva! Ivo viu o ovo! Ivo viu a uva! O ovo viu a
uva!
(...)
A PUBERDADE; A
TRAVESSIA (OU O TRAVESSÃO)
(...)
_ O que eu acho, Jorge _ não sei se tu também achas
_ o que eu acho _porque a gente sempre acha muitas coisas _ o que eu acho _ não
sei _ tu és irmão dela _ mas o que estive pensando _ pode ser bobagem _ mas
será que não é de a gente falar _ não, de eu falar com a Alice _
_ Alice tu sabes _ tu me conheces _ a gente se dá _
a gente conversa _ tudo isto Alice _ tanto tempo _ eu queria te dizer Alice _ é
difícil _ a gente _ eu não sei falar direito.
JUVENTUDE – A
INTERROGAÇÃO
Mas quem é que eu sou afinal? E o que é que eu
quero? E o que é que vai ser de mim? E Deus, existe? E Deus cuida da gente? E o
anjo da guarda, existe? E o diabo? E por que é que a gente se sente tão mal?
(...)
mas por que é que tem pobres e ricos? Por que é que
uns têm tudo e outros não têm nada? Por que é que uns têm auto e outros andam a
pé? Por que é que uns vão viajar e outros ficam trabalhando?
AS PAUSAS
RECEOSAS
(RECEOSAS,
VÍRGULA, CAUTELOSAS) DO
JOVEM ADULTO
Estamos, meus colegas, todos nós, hoje, aqui, nesta
festa de formatura, nesta festa, que, meus colegas, é não só nossa, colegas,
mas também, colegas, de nossos pais, de nossos irmãos, de nossas noivas, enfim.
De todos quantos, nas jornadas, penosas, embora, mas confiantes sempre, nos
acompanharam, estamos, colegas, cônscios de nosso dever, para com a família,
para com a comunidade, para com esta Faculdade, tão jovem, tão batalhadora, mas
ao mesmo tempo tão, colegas, tão.
(...)
O HOMEM MADURO.
NO PONTO
Uma cambada de ladrões. Tem de matar. Matar.
Pena de morte.
O Jorge também. Cunhado também. Tem de matar.
Esquadrão da morte. E ponto final.
No meu filho mando eu. E filho meu estuda o que eu
quero. Sai com quem eu quero. Lê o que eu quero. Freqüenta os clubes que eu
mando.
Tu ouviste bem, Alice. Não quero discutir mais este
assunto. E ponto final.
(...)
(UM PARÊNTESE)
(Está bem, Luana, eu pago, só não faz escândalo) ]
O FINAL ...
RETICENTE ...
Sim, o tempo passou... E eu estou feliz... Foi uma
vida bem vivida, esta...
Aprendi tanta coisa...
Mas das coisas que aprendi... A que mais me dá
alegria... É que hoje eu sei tudo... Sobre pontuação.
(Moacyr Scliar. Minha mãe não dorme enquanto eu não
chegar e outras crônicas. Porto Alegre. 1995. p.88-91)
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